quinta-feira, julho 27, 2006

Manobras de Sedução


Manobras de sedução


Apreciação a "E Nunca Mais Ninguém" de Raúl Malaquias Marques (& ETC)


Os livros seduzem-me (nos): porque particularidades do seu "embrulho" nos cativam, porque alguém que nos seduziu no-lo entrega previamente seduzido, porque foram escritos por alguém que há muito nos seduziu ou tão só porque sim. Porque da sedução fazem parte mistérios insondáveis.

Este foi-me praticamente "imposto". Foi­-me dito: lê-o. E foi-me dado um argumento quase irresistivel. Mas agora pergunto: e se me cruzasse com ele por ai, inadvertidamente? A sedução seria iniciada, provavelmente, pela pintura da capa (Magritte já me fez encontrar algumas preciosidades), e continuar-se-ia pelo primeiro grande mérito do autor: o título curto, incisivo, interminável e quase poético.

O argumento que me foi dado e que me acendeu irreprimivelmente a curiosidade foi o facto de se tratar de um escritor nascido na Praia da Vieira. E se a celebridade e o reconhecimento poucas vezes encontram talento e mérito, a estranheza resulta apenas do desconhe­cimento existente precisamente na sua (e minha) terra natal. Confesso-me: nunca tinha ouvido falar.

Mas a estranheza acentua-se, porque o livro é, de facto, muito interessante. Uma colecção de onze estórias, algumas das quais perpassadas pelo espirito do pós guerra, sob a forma de fantasmas que não se apagam e de uma espécie de devaneio mental que surge.

Não se pense, contudo, que é um livro de guerra. A forma como é tratado o assunto poucas vezes é a óbvia, e o óbice da previsibilidade é ultrapassado com segurança e sem esforço: com naturalidade. Se não for indução (e ninguém poderá ter menos segurança que eu ao afirmá-lo) encontramos subtis referências ao mar comum, respiramos suaves golfadas de ar impregnado pelo pinhal de D.Dinis e decalcamos personagens que sem esforço imaginamos percorrerem as pequenas ruas tão familiares.

A voz de Malaquias Marques tem uma personalidade muito própria, desafiando constantemente a nossa atenção, saltando de espaço físico e psicológico com grande facilidade, entrecortando assuntos como quem tece uma teia que nos enovela lentamente e da qual não queremos sair.

Apetece perguntar: Como passou despercebido até agora? Aqui. Logo aqui.

Fábio H. L. Martins, em Cadernos do Alinhavar

12 comentários:

Anónimo disse...

é de mim ou este rapaz cria como que uma vontade quase irreprimível de lhe ir à estante e pedir tudo emprestado? (sem maldade, ou talvez só com um pouquinho... eu posso;), mas não deixa de apetecer...)

Anónimo disse...

é de mim ou este rapaz cria como que uma vontade quase irreprimível de lhe ir à estante e pedir tudo emprestado? (sem maldade, ou talvez só com um pouquinho... eu posso;), mas não deixa de apetecer...)

Anónimo disse...

ora muito bem! diria uma terceira, mas acho que deixei bem claro o ponto de vista... sorry

Maria P. disse...

Excelente exposição escrita a tua.
Realmente muitos autores passa sem ninguém dar por eles, e de grande valor.
Aconselho-te Ferreira de Castro, o livro dele que eu prefiro intitula-se "Emigrantes" data de 1928.

Um beijinho e boas leituras, essencial para uma boa escrita...

Anónimo disse...

...estou a fazer uma listinha...mas acompanhar o teu ritmo não é fácil...Ainda lembro o primeiro livro que li recomendado por ti...o retrato de dorian gray...agora é so continuar...

Fábio disse...

MariaP: Sim, concordo, boas leituras são essenciais para boa escrita, e até, por vezes, para bons pensamentos. Das palavrea sos outros bebemos não só o tom e o virtuosimo, mas, se a isso estivermos dispostos, a experiência e a perspectiva. Obrigado pelas palavreas. Seguirei o teu conselho e dar-te-ei conta da minha opinião..
Beijinho
Boa noite

Ana: fico feliz por, de alguma forma, confiares na minha opinião, espero continuar a poder agradar-te nas escolhas. O retrato de Doryan Gray foi um livro que me rompeu com alguns horizontes, já lá vão uns anitos, talvez fosse engraçado pegar nele de novo, mas para já tenho preteleiras cheias de amigos solitários a precisar de companhia. :) Se o fizer, prometo que o comento.
Beijinhos

Cláudio disse...

Vivo a uns escassos quilómetros e também não conhecia. Isto de autores que passam icógnitos é infelizmente o prato do dia. Fiquei realmente seduzido, pelo título, pela capa, mas sobretudo pela exposição que fizeste. Se o encontrar nalguma livraria, já cá canta. Se eu for à ruína a culpa é tua Fábio.

Já agora, a propósito da capa.. Estive à procura do título do quadro do Magritte: "O Modelo Vermelho". Tem alguma relação com o teor o livro? Mera curiosidade.

Abraço.

Cláudio disse...

Uma dirty confession neste Inverno: há anos que estou para ler o Dorian Gray e népias... Haverá absolvição para isto?

Fábio disse...

Não Cláudio, nem o título nem a imagem do Magritte são muito associáveia ao teor do livro, pelo menos no que eu consegui perceber, ressalvando sempre a hipótese de me ter passado alguma coisa ao lado (o que até é bem provável). Aliás, é uma coisa que verifico com certa tristeza, essa dissociação entre a face e o interior do livro. É relativamente frequente, e penso que deve ter mais a ver com políticas de editoras. Se não não havia uma capa para cada país, não era' Penso que, se eu escrevesse um livro, gostava de estar envolvido em todo o processo de embrulho, mas deve ser uma ideia peregrina, na medida em que um turbilhão de burocracias se devem interpor(direitos de autor e assim).
Um belo exemplo de uma bela capa é a do "partículas elementeares" de Michell Houellebecq (não sei se está bem escrito), também com Magritte, mas aí a capa funciona quase como extensão do livro.. Mas quem sabe, se calhar até foi acidental!
Quanto ao Oscar Wilde... Tens o livro? è bom remédio le-lo.. Depois existe um livro portugu~es de teor ,uito parecido, pouco conhecido, também repleto de ambiente "fin-de-siècle", mas extraordinário: "As confissões de Lúcio" de Mário de Sá carneiro. É só mais uma sugestão.

Abraços grandes

Fábio disse...

Escrever à pressa e no locxal de trabalho dá nisto.. Acho que nunca antes se viu uma profusão de "mas" tão evidente como no meu comentário anterior... :)

Cláudio disse...

Olá amigo.

Tenho o livro do Wilde. Espera por mim na estante há séculos. As Confissões de Lúcio tenho apenas em e-book, não o li ainda, mas és mais uma pessoa que ao elogiá-lo me dá vontade de o ler.
Eu também acho que faz sentido a capa reenviar para o ter do livro. Não precisa de ser uma coisa explícita, apenas sugestiva seria melhor até.
És fã do Houellebecq, não é? Ou apenas do Partículas Elementares? Another dirty confession: apesar do fenómeno que gira em torno desse autor, também nunca li nada dele. Porra, que começo a pensar: mas que raio de leituras é que eu ando a fazer? A verdade é que tenho lido muito pouco. Comecei a ler o Proust, estava a adorar, mas inexplicavelemente parei.

Já agora diz-me uma coisa: de que editora é o "& Etc"?

Acho que te bati nos "MAS" (aqui vai mais um), MAS não tenho bem a certeza porque contei-os à pressa, (aqui vai outro)MAS se calhar devia contá-los para ter mesmo a certeza. O problema é que sou tão preguiçoso e além disso após este aparte julgo que uma nova recontagem é completamente desnecessária. MAS nunca se sabe.


Grande abraço!

Fábio disse...

Cláudio, antes de mais desculpa pela demora, mas só agora me dei conta deste comentário: Sim, ainda sou fã do Houellebeqc, e comecei por ser antes do mediatismo. O primeiro livro é uma obra prima. Também li o "plataforma", e fi-lo vorazmente, mas, no fim, soube-me a pouco, a gratuito. Talvez seja só ressaca de um grande livro a abrir a carreira. Agora existe um novo em Português, com um título, à partida, arrebatador: "A possibilidade de uma ilha". O que me separa dele até agora são 19 euros.. E "A herança de Estzer". Não resiti, entre a tua notícia e o acto da compra distaram escassas horitas.
Mas também eu estou numa fase estranha e parecida com a tua: Tantos livros que adoro e deixo a meio no último ano (O último foi "os miseráveis). Não sei o que se passa comigo.
Consegues ler e-books? Eu ainda nõa me consigo afastar do livro objecto, que se sublinha, que tem odor, que move uma brisa ao ser folheado.. enfim, manias.
"A confissão de L'ucio" só perde pelo facto da óbvia inspiração no Oscar Wilde.. Mas se todos se inspirassem em boas coisas...

Abraço grande grande grande. MAS mesmo grande!