domingo, julho 23, 2006

O Inventário do mundo

"The Bride of the Wind", 1939, Oskar Kokoschka


“O inventário do mundo”

Apreciação a: “Kokoschka” (Globus, Grandes Pintores do Século XX)


Oskar Kokoshka (1886 – 1980) foi um excepcional homem simples, consideração que é diametralmente oposta à possível confusão com um homem excepcionalmente simples, que esteve longe de ter sido. Simples porque viveu no calor convulsivante do século vinte e reagiu aos picos febris como se espera que um homem liso reaja: refugiou-se, indignou-se, reagiu, tentou ajudar, foi solitário e solidário. E no meio de toda esta estreiteza, no coração da guerra, sempre se deixou iludir, quase como uma criança a quem custa ver o seu mundo ser constantemente desmantelado mas que quer acreditar e acredita na sua regeneração. À sua frente sempre a utopia. Consigo sempre as telas e os óleos: armas de arremesso, asas de escape.

Nascido numa Viena impregnada com o espírito fim-de-siécle do resto da Europa, cedo seguiu o ideal de Gustaf Klimt, depressa juntou a sua voz ás de Egon Schielle ou Oto Wagner e se embrenhou na luta pela reformulação do gosto, da arte e dos critérios estéticos centro-europeus – nascia a Secessão.

O seu expressionismo atinge níveis impressionantes nos retratos a que se dedica no início da carreira – “pinturas pretas”- carregados de relevos, de raspagens, de empastes, mas, sobretudo, pejados de mãos. É pelos desenhos das mãos que Kokoschka nos revela o inconsciente Freudiano dos seus retratados. Dito de outra forma são mãos carregadas de vida, de segredos, de poesia.

Depois seguem-se os anos de peregrinação / fuga, em que nada escapa ao seu olhar, à sua agudeza, e em que prossegue num enriquecimento técnico e simbólico, inventariando o mundo.

Tudo isto se pode conhecer neste livro, que por vezes surpreende com a subtileza e pertinência das suas legendas. Contudo é um livro que mostra uma incongruente falta de alcance e um evidente desequilíbrio na profundidade das diferentes fases da vida do artista Vienense. Isto para além de carecer de elementos básicos num livro como sejam um índice, uma paginação (!) ou mesmo um fim.

Sublinhe-se o facto de alguém sempre tão pouco resignado ter assinado todos os quadros com um irónico mas inevitável “OK”.

Se se somasse a totalidade da obra de Kokoschka o quadro resultante seria um fresco do mundo seu contemporâneo.


Fábio H.L Martins, em Cadernos do Alinhavar

11 comentários:

Spike disse...

Não tenho a certeza, mas os cadernos de Alinhavar são algum tipo de publicação? Escreves magnificamente.

Abraço,

AD

PS: É dificil manter um blog minimamente interessante e no mesmo nível que o teu!

Fábio disse...

Sim, são uma publicação de leiria, que agora está em transição (já há algum tempo...) para a fase online, e que podesencontrar em www.alinhavar.pt, prometo por aui o link em breve (caso este endereço não seja o correcto).
muito obrigado pelo que dizes em relação à minha escrita, fico um pouco embaraçado, mas definitiva e humildem,ente grato. Só não concordo com o que dizes em relação ao teu blog. só a ideia deser um blog partilhado por um casal apaixonado já é encantadora!
Abraço.

Cláudio disse...

Será que é desta que me vou pôr finalmente a ler o pequeno livro da Taschen sobre o Kokoschka? Se assim for será graças a ti rapaz...

Good night!

paulo kellerman disse...

Custou a arrancar mas logo se afirmou como aquilo que estava destinado a ser: um blogue excelente. A minha curiosidade é esta: quando se acabarem os textos antigos, que já conheço todinhos, como serão os novos? Excelentes, estou certo. :)
Abraço,
PK

Fábio disse...

CLAUDIO: Espero que VEJAS muito o livro, e que aquilo que leres seja melhor que o que eu li no livro que aqui comento..Em mim, a curiosidade por Kokoschka começou fortuita, com a decoberta acidental do "the bride of the wind" que por isso, simbólicamente, pus aqui.
Não sei que tipo de pitura te agrada, mas depois deixa-me saber...

PAULO, sabes tão bem como eu como tanto se deve a ti...

Cláudio disse...

Eu a pensar que tinha o livro do Kokoschka, mas afinal enganei-me. Deve ter sido do adiantado das horas...

Como quase todos os leigos na matéria, o meu gosto por pintura é muito abrangente: Klimt, Schiele, de Chirico, Grosz, Chagall, Magritte, Frida Kahlo, Picasso (claro) e muitos outros.

Do Kokoschka conheço pouca coisa. Já gostava muito do "The Bride of the Wind", mas o teu texto despertou-me uma maior curiosidade para fazer umas pesquisas na net...

Abraço.

Fábio disse...

Leigo como eu, portanto: Acrescento Hopper e Fichl (está num post). Não sou fã da Frida, mas sou muito muito leigo para não ser fã!
Bem me parecia que não conhecia nenhum kokoschka da taschen, mas nunca se sabe,,,
Abraço forte

redonda disse...

Não consegui encontrar o www.alinhavar.pt ... mas estou a gostar muito de ler aqui as críticas a livros.

um beijinho

Fábio disse...

Pois... o site não é esse, mas já está o link em outras estações..
Obrigado redonda.
gosto de te ver por aqui, pena que apareças tão pouco...
Beijinho

redonda disse...

Eu apareço muito, comento é pouco :)
Beijinho

Fábio disse...

Boa, então já só falta corrigir metade do comportamento...
:)